Na pífia Internet dos anos 1990, uma cidade chamada Geocities.
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"1997 (MCMXCVII, na numeração romana) foi um ano comum do Século XX que começou numa quarta-feira, segundo o calendário gregoriano. A sua letra dominical foi E. A terça-feira de Carnaval ocorreu a 11 de fevereiro e o domingo de Páscoa a 30 de março. Segundo o Horóscopo Chinês, foi o ano do Boi, começando a 8 de fevereiro."
Escrito e Publicado por
Barata Cichetto em
3/9/2018
Depois de quase nove anos eu fui demitido da Tec Toy. Com o falecimento de seu mentor e fundador, Daniel Dascall, também prejudicada pela concorrência dos brinquedos importados da China, mas principalmente pela péssima visão do homem que assumiu a presidência da empresa, a empresa fez o que nunca tinha feito na sua história: demissão em massa. E embora eu tenha recebido comendas por bons serviços prestados, e ser ativo em todas as áreas, como a criação de um boletim impresso, feito em meus finais de semana, e receber elogios até mesmo de um alto diretor da companhia, por uma antiga birra de um ex-supervisor, meu nome foi colocado na lista dos demitidos. Senti tudo desabar na minha cabeça, já que tinha, além de outras coisas, um orgulho monstruoso em trabalhar ali. O fato de que nesse período eu ter dois filhos pequenos, e poder dar a eles até mesmo produtos de teste, me fazia sentir como o personagem criado por Carlo Collodi, o Gepeto, que dava a vida a seu boneco de brinquedo, o Pinóquio.
Poucos meses depois consegui um trabalho como gerente de Informática numa empresa de bronzeamento artificial no bairro do Pacaembu, que era dirigida pelo italiano Adriano Campi, e que se tornara a coqueluche dos artistas, que exibiam em redes de televisão seu bronzeado, muitos mentindo sobre a origem dele ser de praias paradisíacas. Foi nessa época que pude ver de perto e conversar até, com mulheres maravilhosas como Mary Alexandre, Cida Marques e Cristina Mortágua, as beldades da época, e outras nem tão, como Carla Perez. Nessa época eu tinha virado um rato de computadores, investindo boa parte do dinheiro recebido pela indenização da Tec Toy em acessórios de informática. Uma ideia disso foi que nesse ano chegaram ao Brasil os primeiros gravadores de CD. Comprei um, que gravava em velocidade 2x e reproduzia em 4x. O bicho tinha que ser ligado a uma placa SCSI, juntamente com outro monstrengo, um scanner Genius, o que resultava em conflitos absurdos no Windows. O preço que paguei por esse mimo foi de mil reais, isso com o dólar a coisa ainda de um por um, ou seja, paguei algo, referente neste Setembro de 2018, a 4.000 e poucos reais.
Foi nessa empresa que travei amizade com o engenheiro Paulo Sergio Campigliolo, outro fissurado em informática, e que era irmão da cantora, sempre underground, Cida Moreyra. Ficamos amigos tá bem pouco tempo, já em 2010 ou 11, quando ele desapareceu. Paulo sabia muito de informática e também gastava os tubos de dinheiro com computadores, e me ensinou muito sobre "hardware" e programas de computador. Um bom amigo.
Nesse ponto eu devorava revistas de informática e me aprofundava nos códigos HTML, começando a criar páginas de estudo, sem ter onde publicar, já que nem por sonho existia a possibilidade de pagar o registro de um domínio, restrito às empresas, e muito caro, e ainda não existiam empresas que oferecessem esse serviço gratuitamente, até que numa dessas revistas li a respeito da Geocities. A pioneira ideia era de que os sítios eram agrupados como se fossem partes de uma cidade, de acordo com o tema tratado, e, portanto os outros eram vizinhos. Eles ofereciam em torno de 10 MB de espaço, algo muito suficiente para sítios sem quase nenhum recurso, imagens de tamanho reduzido. O endereço era um subdomínio e ficava extenso, com números e caracteres.
Foi assim que, de posse de algumas páginas que tinha criado, todas digitadas em Notepad e salvas como .HTM (ainda não existia a possibilidade de extensões com mais de três letras), que abordei a cidade e criei o meu primeiro site, o "Cichetto's W.C", com o subtítulo de "O Banheiro da Internet". O conteúdo era basicamente de algumas letras de Raul Seixas, uns poucos textos que eu tinha voltado a escrever, alguma imagens, e textos de Luiz Carlos Maciel. Na entrada, era exibida uma mensagem: "Você está entrando no Banheiro!", e clicado para uma intermediária: "eu cérebro poderá estar sendo monitorado. O "Grande Irmão" espreita em qualquer lugar. A "net" é a melhor tradução da "teletela". Cuidado, não pense! O "crimidéia" é o maior de todos! A "novilíngua" é a linguagem padrão. As idéias aqui apresentadas podem lhe seduzir! As poesias podem estuprar sua mente. Seu cérebro pode ser comido por tribos de antropófagas mulheres peladas que fumam um cigarro depois do orgasmo fingido."
A conexão lenta para "subir" os arquivos, que tinham "kbytes" abaixo de dois dígitos fazia com que se demorassem horas para atualizar, e o grande recurso possível em termos de multimídia eram os arquivos em formato "MIDI", que não é propriamente um arquivo de musica, mas que pelo tamanho pequeno foi largamente usado, já que era algo, digamos, muito parecido com a música original. O "Banheiro" foi aberto em Abril de 1997, e por alguma coincidência, meses depois aparece na Internet à primeira lembrança que tenho de um sítio "feminista", que se chamava "Banheiro Feminino".
Desde logo após meu primeiro casamento, quando minha então jovem esposa enciumada me fez jogar todos os meus poemas no lixo, eu praticamente tinha desistido de escrever. Vez ou outra rabiscava alguma coisa, mas o destino era sempre o lixo. Ademais, o importante naquele momento era que eu tinha dois filhos, um bom trabalho numa empresa, e meu objetivo era criar meus filhos da melhor maneira que eu podia, e sabia, e melhorar meu padrão de vida, mudando para casas melhores e comprando mobília e eletrodomésticos mais modernos. A não ser por alguns momentos, nem lembrava de um dia ter feito centenas de poemas, editado livro e feito publicações. Não era tanto tempo assim que me separava dessa época, mas ser pai, naquele momento, era o que me importava.
E em 1997, eu tinha filhos com 14 e 9 respectivamente, e meu casamento dava sinais de esgotamento. E nada "melhor" para a poesia que relacionamentos que se esgotam. Então voltei a escrever, ainda meio timidamente, levando às vezes semanas para concluir um poema. O marco desse retorno, digamos assim, foi o poema "Mentiras e Manteiga", escrito na primeira semana do ano. Daí começaram a brotar outros e outros. Tudo o que tinha ficado preso dentro da minha cabeça e não pode ser transformado em poesia começou a aflorar. Ainda assim, a maior parte desses textos foi jogada no lixo, já nessa época ainda eu escrevia em cadernos e depois digitava no computador. Eu não sentia digno de mostrar aquilo, já que me considerava uma espécie de traidor.
Por intermédio do meu tão orgulhoso endereço eletrônico do UOL, e em função do meu "Banheiro", passei a receber uma quantidade significativa de mensagens, e o projeto foi crescendo, criando mais páginas e eu investindo maciçamente em informática. Até que perdi o emprego na New Sun, exatamente um ano e um mês depois.
Poesia do Ano
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Mentiras & Manteiga
Barata Cichetto, na época ainda assinando o
nome verdadeiro, Luiz Carlos Cichetto
Palavras escorrem pelos cantos da boca igual manteiga
em dia de calor,
A mentira tem os seus segredos mas a manteiga também tem seu valor,
Uma faca cega besuntando de tenra manteiga o pão que mata a fome,
Outra faca amolada cortando a tenra garganta do cão que o come.
Manteiga e mentira têm na pureza do leite e do deleite suas essências,
Minhas palavras são como manteiga, aparentemente sólidas decências,
Mas que derretem e se liquidificam em contato com o tempo quente,
Aparentemente tenras, mas duras quanto os olhos de quem mente.
Minhas palavras não são de leite, mas de líquidos que solidificam,
Não são deleite, mas mentiras tenras que escorrem e liquidificam,
Sutilmente como a manteiga que escorre da boca da criança morta,
Inutilmente como o sangue pastoso que escorre de minha boca torta.
Palavras colocadas em cima da mesa servem de alimentos aos tolos,
Que têm fome não de manteiga mas de mentiras enfeitadas como bolos,
Porque as palavras são mentiras escorregadias como manteiga ao sol,
Deixando um rastro de gosma brilhante igual a um nojento caracol.
1/8/1997
PALAVRAS E PESSOAS-CHAVE (keypeople and Keywords)
Carlo Collodi; Pinóquio; Gepeto; New Sun; Adriano Campi; Paulo Sergio Campigliolo; Cida Moreyra; Mary Alexandre; Cida Marques; Cristina Mortágua; Carla Perez; Poesia; Cichetto WC; Banheiro da Internet; Raul Cichetto; Ian Cichetto; Rosalia Rocha; Bronzeamento Artificial; Geocities;
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